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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Glória - Luís Fernando Veríssimo

Luís Fernando Veríssimo - O Estado de S.Paulo
O médico espera até Rogério se recuperar da notícia que acaba de receber. Rogério consegue se controlar e pergunta:

- Quanto tempo?
O médico tenta desconversar. É difícil especificar com precisão. Essas coisas variam. Não dá para dizer...
Rogério insiste:
- Quanto tempo de vida eu tenho, doutor?
- Poucas semanas - diz o médico.
Rogério sai do consultório atordoado. Poucas semanas! E ele tão moço. Injustiça, pensa. O nome daquilo é injustiça. Por que eu? Por quê?
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Rogério se tranca no seu apartamento. Não recebe ninguém. Não dorme, não come. Passa o tempo todo com o olhar fixo na parede, pensando na injustiça que será a sua morte. Chora. Se embebeda. E então se lembra de uma coisa que seu amigo Marçal disse. Que queria morrer em cima de uma mulher, levando um tiro do marido ciumento. Marçal até elaborara: um tiro ou dois. Claro, pensou Rogério.
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Claro! Uma morte gloriosa. Pra que esperar a morte sem reagir, sem arquitetar seu próprio fim? Seria sua maneira de enganar a morte, morrendo antes. E gloriosamente. Num ato vital, afirmando o seu vigor, afrontando a injustiça do seu fim precoce e deixando, para os amigos, uma legenda de amante trágico.
Sim, iria morrer em cima de uma mulher.
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O Marçal, a princípio, acha aquilo uma loucura.
- Que loucura é essa?
Mas acaba concordando em ajudar o amigo. Planejam tudo. Para começar, precisam escolher a mulher. Mas mais importante do que a mulher é o marido. Que marido eles conhecem que mataria um amante da sua mulher? Garantido? Concluem pelo Rafa, marido da Soraia. O Rafa era truculento. O Rafa tinha porte de arma. E, uma vantagem adicional, a Soraia não era de se jogar fora.
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Rogério não tem muito tempo para conquistar Soraia. Poucas semanas. Ajuda o fato da Soraia estranhar a nova personalidade do Rogério, que parece mais soturno. Mais sério, ele que sempre fora tão brincalhão, tão superficial. Parece um condenado. E Soraia acha aquilo atraente. Encontram-se duas ou três vezes. E Rogério a convence a ir ao seu apartamento. Enquanto a espera, liga para Marçal, que deve dar um telefonema anônimo para o Rafa e avisar que sua mulher o está traindo, na rua tal, número tal. Soraia chega ao apartamento. Rogério finge que esquece a porta aberta, para o Rafa poder entrar. Os dois vão para a cama. Nisso toca o telefone. É o médico, para avisar que houve uma troca de radiografias e Rogério não vai morrer, afinal. E Rogério ouve a porta do apartamento sendo aberta.

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,gloria,761494,0.htm

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

AS MULHERES QUE NUNCA TIVE PELO MEU MELHOR AMIGO: Denise



Já olhou para um sorriso que parece pintura? Um olhar que dá frio na espinha? Um rosto que te encanta cada vez que olha pra ele? Foi assim que Denise, fora descrita. Trabalhava vendendo óculos de sol, perto da estação de trem. Gentil e educada, aparentava seus vinte e poucos anos e atendia à todos com uma cortesia que era só sua. Tinha uma doçura envolvente. De pouca estatura mas de curvas admiráveis! Na mão direita um anel de prata que brilhava, mas, não afastava os olhos do meu amigo. Sempre bem vestida, de maquiagem nos olhos, embelezava aquela loja sem graça. Ele sempre passava por ali mas nunca havia notado, a jóia exposta, como naquela “Segunda-Feira” de Julho. Exigente na escolha, fitou um tempo a vitrine, pra ver se algum óculos chamava a sua atenção. Nada viu que valesse a pena, mas aproveitou pra olhar a moça mais um pouco. Na Terça contou os minutos até a hora do almoço. Entrou na loja com felicidade e pediu a opinião sobre alguns modelos. Ela lhe mostrou todos os óculos que achava que iria ficar bom nele. Acabou saindo sem levar nenhum, mas, sabendo o nome dela. Na Quarta ele já tinha a certeza do que queria! Na frente da vitrine esperou que ela olhasse, acenou pra moça, e, pra sua surpresa, ela devolveu um oi e um tchauzinho. Talvez ela fizesse isso pra todos, já que atendia tanta gente e dificilmente lembraria do rosto de tantos. Mas ,ele, saiu dali irradiante, pensando: Ela é linda até a vida melhorar!!! Quinta-Feira ele tava decidido a falar qualquer coisa com ela: pedir seu número de telefone, dizer da sua admiração, comprar um óculos mesmo que não tivesse gostado, convidá-la pra sair, falar sobre o tempo. Chegada a hora foi ao encontro da sorte. Mas diz ae, dia de pagamento, qualquer loja enche, qualquer vitrine fica cheia de caroços, nos caixas eletrônicos e lotéricas as filas estão gigantes, e meu amigo teve coragem de abordá-la no meio dos clientes? Aquele momento era muito íntimo pra ele. Não queria correr o risco de comentários alheios, um possível “não” da pretendente, ou o papo ser interrompido com alguém pedindo opinião: “Quanto custa este moça”? ou “Qual ficou melhor em mim”? Ai que dia triste e longo! - me contou. Ela tava lá, tão perto dele, com um sorriso capaz de mudar a ordem do mundo e ele empedido pela timidez e precaução que lhe tomou conta. E foi na sexta feira, de um céu azul e poucas nuvens, de um ar batendo no rosto volta e meia, recheado de fotos daquela vendedora nos seus pensamentos, que ele, deu um jeito de sair mais cedo, disposto a esperar quanto tempo fosse, até que ela estivesse sozinha na loja, para então poder dizer: Te ver faz o meu dia ficar mais feliz! Aquele seria o dia perfeito... a não ser pelo fato de ser surpreendido com uma placa na vitrine: PRECISA-SE DE ATENDENTE (MOÇA) MAIOR DE 18 ANOS, COM OU SEM EXPERIÊNCIA!  (J. S.)